“Não ameis o mundo e nem
as coisas que há no mundo” (1 João 2:15).
João evangelista nos ensina que não devemos amar o mundo. No
entanto, o próprio João foi quem registrou as palavras de Jesus: “[...] Deus
amou o mundo de tal maneira, que deu o seu filho [...]”. Parece uma
contradição. Não devemos amar o mundo, mas Deus amou/ama a ponto de entregar o
seu filho por ele. Como resolver a questão?
O evangelista João gosta e muito de uma palavra grega, a qual
utilizou diversas vezes em seus escritos para designar o “mundo”. A
palavra é “kosmos”. Mas há uma diferença no uso desta palavra. Nas
palavras de Jesus em João 3:16, Deus amou o mundo, o que quer dizer a
humanidade. Deus amou o mundo, ou seja, as pessoas sobre a terra. Deus deu o
seu filho para a salvação de todos os habitantes da terra. “Assim como
uma só transgressão resultou na condenação de todos os homens, assim também um
só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os homens” (Rm
5:18). Este é o mundo que precisamos amar: as pessoas.
Assim como nosso Deus e Pai, precisamos nutrir este amor pela
humanidade. Amor compassivo e misericordioso, que olha e se coloca na miséria
do outro. Isso inclui amar nossa família, nossa igreja, a tia da padaria, o
chefe chato, o menor assaltante, o traficante, o estuprador, o padre pedófilo,
o pastor canastrão, o empresário sonegador e o político corrupto. Todos esses
que foram no passado alvos do amor de Deus através do sacrifício de
Jesus
continuam sendo hoje através da Igreja, ou seja, de nós. É o amor que
transforma. É o amor que aceita como é, mas não deixa como está.
Mas existe outro sentido para o uso do
“kosmos”. E esse outro sentido de mundo é o que devemos odiar. Vai além do que
concebemos como mundo, normalmente descrito como o lugar além das quatro
paredes da igreja, onde vivem pessoas que não professam a mesma fé que a
nossa. Mais do que isso, mundo é este sistema formador de vítimas. Um
sistema que influencia a realidade econômica e faz com que poucas pessoas
acumulem muito dinheiro ao passo que muitas pessoas vivam com pouco dinheiro e
com isso não possuem acesso a direitos humanos fundamentais e, portanto, vivem
em condição de extrema vulnerabilidade.
Este sistema também influencia a realidade social, fazendo com
que pessoas sejam excluídas de espaços e sociedades por conta de suas
características contrárias e discriminadas pela maioria local, como cor, credo,
orientação sexual, classe social. O sistema mundano influencia, ainda, a
realidade espiritual, quando é administrado por pessoas sem escrúpulos, que
assumem papéis de liderança, manipulando poderes espirituais e usurpando o
acesso a uma espiritualidade sadia, pura e simples. Este último ponto me leva a
entender que não necessariamente, igrejas estejam fora do mundo. É o mundo que
não devemos amar.
Como discípulos de Cristo que somos, não devemos amar e
corroborar com um sistema que leva um menor de 18 anos a sacar uma arma e
assassinar um pai de família; não devemos amar um sistema que exclui do mercado
de trabalho pessoas negras; devemos sim combater um sistema que leva pessoas a
praticarem uma série de práticas religiosas infundadas, atos proféticos e
outras práticas ridículas no intuito de “agradar a Deus”. Devemos odiar este
mundo (sistema formador de vítimas) porque ele tira a dignidade do mundo
(humanidade) que devemos amar porque Deus o ama.
É nesse pensamento que devemos viver. É este o nosso modelo de
vida. Que há sim, portanto, o mundo que devemos odiar. É este sistema que
transforma criaturas de Deus em vítimas. E há também o mundo que devemos amar:
a humanidade. E assim funciona o “sistema” do Reino: transformando criaturas em
filhos de Deus.
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